Em artigo publicado no Portal Trabalho Em Debate, no dia de hoje, o brilhante Professor e Juiz do Trabalho Felipe Bernardes trouxe à tona aquilo que denominou de desconsideração direta da personalidade jurídica. Sua teoria, muito bem construída, desenvolvida e fundamentada, como lhe é peculiar, sem sombra de dúvidas desperta interessantes debates, razão pela qual, revelando a importância do tema, peço licença ao autor para tecer alguns comentários em sentido contrário.
Diálogos com a teoria da desconsideração direta da personalidade jurídica: uma resposta a Felipe Bernardes.
Danilo Gonçalves Gaspar1
1. Introdução
Em artigo publicado no Portal Trabalho Em Debate, no dia de hoje, o brilhante Professor e Juiz do Trabalho Felipe Bernardes trouxe à tona aquilo que denominou de desconsideração direta da personalidade jurídica.
Sua teoria, muito bem construída, desenvolvida e fundamentada, como lhe é peculiar, sem sombra de dúvidas desperta interessantes debates, razão pela qual, revelando a importância do tema, peço licença ao autor para tecer alguns comentários em sentido contrário.
2. Os fundamentos da teoria da desconsideração direta da personalidade jurídica.
Em seu artigo, Felipe Bernardes pondera que “No Processo do Trabalho, a partir da Lei 13.467/2017, passou a ser adotada a teoria direta da desconsideração da personalidade jurídica.”.
Para tanto, destaca que “a nova redação do art. 10-A da CLT prevê diretamente a responsabilidade subsidiária dos sócios atuais e retirantes, independentemente dos requisitos típicos das teorias maior (= fraude, confusão patrimonial etc.) e menor (= insolvência da pessoa jurídica, inexistência de bens ou obstáculos ao ressarcimento decorrentes de sua personalidade).”.
Conclui dizendo que “De acordo com a teoria direta da desconsideração, os sócios, pelo mero fato de se enquadrarem em tal situação jurídica, são considerados responsáveis subsidiários pelos débitos trabalhistas da pessoa jurídica.” e que, portanto, “O único requisito estabelecido pela legislação trabalhista é a observância da ordem de preferência”.
Exemplifica dizendo que é possível “a condenação subsidiária do sócio já na fase de conhecimento, independentemente de alegação ou comprovação de risco de insolvência da pessoa jurídica, pois a disciplina legal específica aplicável no Processo do Trabalho não exige tal requisito.”.
3. A necessidade de observância das teorias menor ou maior para desconsideração da personalidade jurídica, mesmo diante do art. 10-A da CLT.
O art. 10-A da CLT, inserido pela Lei n. 13.467/2017, ao prever a responsabilidade do sócio retirante (é importante destacar que o referido dispositivo é específico deste tema), precisa ser lindo, necessariamente, em harmonia com o art. 855-A da CLT, também inserido pela Lei n. 13.467/2017, que prevê que “Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil.”.
A necessidade de observância, para atingimento dos bens pessoais dos sócios, do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, portanto, também encontra previsão na própria CLT, remetendo sua disciplina aos arts. 133 a 137 do CPC/2015.
Assim, ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto na CLT, aplicam-se as regras dos arts. 133 a 137 do CPC/2015, exceto naquilo que é disciplinado de forma específica pela própria CLT (§ 1º do art. 855-A).
Desse modo, é fundamental registrar, portanto, que o § 1º do art. 133 do CPC/2015, que prevê que “O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.”, se aplica ao processo do trabalho.
Conclui-se, portanto, a partir daí, que, a despeito do texto do art. 10-A da CLT, que, reconheço, lido isoladamente, pode, de fato, levar ao entendimento trazido pela teoria da desconsideração direta da personalidade jurídica, não contemplar a necessidade de observância dos pressupostos previstos em lei para desconsideração da personalidade jurídica (previstos no CC/2002, teoria maior, e no CDC, teoria menor), a leitura sistemática do art. 10-A da CLT com o art. 855-A da CLT, atrai, necessariamente, o conteúdo do § 1º do art. 133 do CPC/2015.
Ademais, a interpretação finalística do referido dispositivo também leva a essa conclusão, já que toda a construção processual inaugurada pelo CPC/2015 (com os arts. 133 a 137) e acolhida pela CLT (com o art. 855-A) revela a necessidade de ser garantir aos sócios, mesmo diante da efetiva possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica, o contraditório (amplo) e o devido processo legal.
No mais, quando os sócios são incluídos na própria petição inicial, o § 2º do art. 133 do CPC/2015, apesar de dispensar a instauração do INCIDENTE, deixa claro também, a partir de uma leitura combinada com o § 1º do referido dispositivo, que, neste caso, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica será analisado observando-se os pressupostos previstos em lei (na forma das teorias maior ou menor da desconsideração da personalidade jurídica).
4. Conclusão.
Conforme destacado pelo próprio amigo Felipe Bernardes, “As pessoas jurídicas são regidas pelo princípio da autonomia patrimonial, a significar que os respectivos patrimônios não se confundem com os de seus sócios.”.
Desse modo, por mais amplas (e justificáveis) que sejam as possibilidades de desconsideração da personalidade jurídica, sobretudo para se garantir a efetividade de um crédito de natureza alimentar (art. 100, § 1º, da CRFB/88), como é o caso do crédito trabalhista, é fundamental que o referido instituto seja interpretado de acordo com sua essência de excepcionalidade.
Interpretar, portanto, a partir de uma leitura isolada do art. 10-A da CLT (dispositivo que, repita-se, trata apenas da figura do sócio retirante), que a desconsideração da personalidade jurídica, no processo do trabalho, dispensa a observância dos “pressupostos previstos em lei” (art. 28, § 5º, do CDC, ou art. 50 do CC/2002), acaba por esvaziar, por completo, não apenas o princípio da autonomia patrimonial que justificou o surgimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, acabando, por via de consequência, esvaziando o próprio conteúdo da teoria da desconsideração, mas também acaba por esvaziar o instituto do incidente da desconsideração da personalidade jurídica, inquestionavelmente aplicável ao processo do trabalho na atualidade.
Assim é que, com profundo respeito e admiração pela teoria apresentada pelo amigo Felipe Bernardes, encaminho as presentes reflexões, de modo a concluir que, apesar do conteúdo do art. 10-A da CLT, o atingimento dos bens dos sócios, no processo do trabalho, depende, necessariamente, da observância dos “pressupostos previstos em lei” (art. 28, § 5º, do CDC, ou art. 50 do CC/2002).
1 Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 05ª Região. Mestre em Direito Privado e Econômico (UFBA). Membro do Instituto Bahiano de Direito do Trabalho (IBDT). Professor de Direito e Processo do Trabalho. Professor de Direito e Processo do Trabalho. Autor de obras jurídicas e palestrante. Instagram @danilogoncalvesgaspar
Danilo Gonçalves Gaspar (Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 05ª Região. Mestre em Direito Privado e Econômico (UFBA). Membro do Instituto Bahiano de Direito do Trabalho (IBDT). Professor de Direito e Processo do Trabalho